12 de setembro de 2009

página 72

16 de junho de 2000.
sexta à noite, em guaramiranga.
éramos 5 amigas e 1 amigo (gay) num quarto, tiritando de frio.

tínhamos ido mais cedo para a casa do aniversariante, um chalé idílico, na linha da serra, e tava muuuuuito frio. acabei estupidamente levando apenas uma rede, e estava o próprio dindin, me passando. ninguém conseguia dormir, e fatalmente começamos a falar putaria.

uma delas tinha levado um livro e eu pedi pra dar uma olhada, já que o bichim tava esquecido em cima da mala, enquanto o tititi truava no quarto glacial. era *a casa dos budas ditosos*, do João Ubaldo Ribeiro.

[adendo para quem não conhece o livro: faz parte da coleção plenos pecados, e o tema é luxúria.]

abri na página 72 e me deparei com o tópico *o desvirginamento*. meu mutismo foi percebido pela audiência, que perguntava o que tinha me tirado da conversa. comecei a ler o relato, rindo, e, surpreendentemente, todas (incluindo o amigo gay) pararam para ouvir.

a escrita de João Ubaldo é envolvente, e o assunto nem precisa de estímulo para captar a atenção. começamos então a ler trechos do livro, mas ele fatalmente voltava pra minha mão, já que as páginas mais pesadas insistiam em abrir pra mim.

virei a narradora da história, sob risadas e um calor que até então não havia aparecido na serra. em 30 minutos os casacos tinham sido tirados, um vinho aberto e duas caixas de chocolate já rodavam entre nós.

tirando M - o amigo -, todas eram virgens ou semi-virgens.

[pausa para explicar as SV: tinham alguma experiência, mas não tinham muita intimidade com o assunto, fruto de experiências frustrantes, com namorados desengonçados e precoces.]

era inebriante ouvir uma narrativa tão franca sobre o assunto, pois, querendo ou não, cada uma ostentava uma experiência que não tinha (é, meninos, também fazemos isso...). a protagonista mexeu com cada uma de nós, e houve reações das mais variadas.

como o que acontece no méxico, fica no méxico, cito apenas o meu amigo, M, que sentiu uma nostalgia por mulheres e esta noite ficou com uma das presentes, C, que acabou se apaixonando por ele. a paixão acabou quando o álcool saiu do sangue, mas não é isso o que importa...

esta viagem marcou a todas. de minha parte, mal dormi: precisava ler o livro todo. precisava ouvir/ler aquilo. e *a casa dos budas ditosos* encontrou pousada na minha estante mental como uma boa lembrança.

voltando a 2009, em junho. chego em casa e vejo o saudoso luxúria na mesa da sala daqui de casa em brasília.

- mãe, de quem é esse livro?

- seu pai ganhou no trabalho. - respondeu da cozinha, coando o café.

- pai, quem foi que lhe deu esse livro? que marmota é essa?

- foi um colega que me deu. algum problema?

- vocês sabem o que tem nesse livro?

- o que é que está acontecendo? - minha mãe volta à conversa. - o que é que tem nesse livro que os seus pais não podem saber?

abri na velha página 72 de guerra e entreguei pra ela. ela pegou o livro e disse que ia ler antes de dormir. na manhã seguinte, dedo em riste na minha cara:

- você leu essa esculhambação?

- pôa, mãe... faish tempo, aê... tem quase 10 anos!

ela ficou muda, me encarando. devolveu o livro pra estante e resmungou algo ininteligível. desde então, o coitado padecia no cantinho do castigo, criando teia de aranha. sempre que eu passava por lá, ele dava um jeito de chamar a minha atenção...

e hoje eu resolvi que não dava mais pra fugir. reli-o.

claro que o livro é o mesmo, mas eu, realmente, não sou mais aquela. ele é muito bom, isso é fato, mas o arrebatador, pra mim, não é mais o tema, e sim as citações que agora percebo, os aforismos, as semelhanças e discrepâncias ao encarar a vida.

recomendo! pelo tema, por João Ubaldo, e pra ver o que realmente te choca: o que está escrito ou o que você concorda.

Um comentário:

disse...

ui! medo.
voulelotaumbeijo.